No momento tenho vários textos em andamento, e outros tantos futuros planejados na mente. Mas por hora sinto a necessidade de uma breve escrita para esse tema tão conflituoso. Uma escolha fora do normal para o primeiro texto do ano, mas minha meta para esse blog/newsletter é sempre ser sobre o que me reflete no momento.
Eu cresci com filmes maravilhosos de bruxas e outros horrores na sessão da tarde, faziam parte da minha infância e adolescência, e sempre entendi esses temas como uma metafóra para pessoas que não se encaixam nos padrões da esperados da sociedade, um tal estranho como vemos em: Familia Addams, Abracadabra, As Brumas de Avalon, Crepúsculo, Harry Potter, Senhor dos Anéis, entre outros.
Os anos 90/00 foram décadas ricas onde aprendi a aceitar que somos sujeitos diferentes entre si. Ainda carregavamos vestígios do pânico satânico dos anos 80 (para referência o Caso Evandro do Projeto Humanos), uma sombra que aos poucos foi evoluindo a medida que a sociedade avançou no entendimento das questões sociais e de saúde mental.
Infelizmente, tem crescido nos últimos anos essas discussões as voltas do suposto sentido do horror, como exemplo o Halloween sendo colocado como algo proibido, acredito por sofrer em parte pela tradução escolhida aqui no Brasil como “Dia das Bruxas” e não o real sentido: “Véspera de Todos os Santos”. Perdemos por aqui o sentido cristão do feriado (o horror como proteção, para afastar os espíritos) que como a maioria dos grandes feriados conhecidos mundialmente tem como base outras religiões ditas pagãs (como o Natal e suas guirlandas para afastar espíritos). As celebrações a virarem objetos comerciais sofrem com a apagamento do sentido, mas nem por isso devemos deixar de buscar conhecimento vindo de fontes seguras, e de também entender como se encaixa em nossa vida e nas coisas que acreditamos.
Foi por tudo isso que inicialmente resolvi assistir esse documentário lançado no final do ano passado. O nome foi o suficiente para despertar meu interesse, e o que encontrei nele mudou uma parte fundamental do meu entendimento sobre o tema.
Bruxas (Witches) (2024) Elizabeth Sankey no MUBI
É um dos documentários mais importantes que assisti nos últimos anos. A diretora/narradora Elizabeth inicia o filme falando sobre como historicamente retratamos as mulheres ditas “bruxas” na mídia e faz um paralelo com o contexto histórico do surgimento dessa classificação. Eu gostaria de incluir aqui que todas sabemos como ocorreu a caça às bruxas e quem eram as mulheres, mas é um assunto que parece ter ficado preso no imaginário popular/religioso, sem saída para um conhecimento mais aprofundado desse evento histórico que marca a vida de todas as mulheres a partir de então. E o documentário faz esse trabalho de situar o significante através da relação com obras midiáticas, para através desse contexto, falar sobre seu relato pessoal.
A diretora passa a falar sobre sua experiência com a depressão pós-parto, algo profundo e aterrorizador que viveu em plena pandemia. Onde se sentia desamparada e sem saída, e só ao encontrar um grupo de mulheres que passaram pelo mesmo, mulheres que a permitiram um lugar no discurso, acolheram sua dor e sua angústia, pode enfim buscar tratamento. Ela fala muito abertamente do tratamento intensivo que recebeu durante a internação em uma clínica humanizada onde ela poderia estar com seu bebê. Podemos também ouvir os relatos dessas outras mulheres, algumas com psicose pós-parto, e de pessoas que infelizmente morreram sem poder receber a ajuda necessária.
Ela encerra fazendo uma importante questão: E se as bruxas fossem mulheres também nessa situação? Pergunta importante, já que vivemos em uma sociedade que até hoje tem dificuldades de entender e aceitar o dilema da maternidade, e a complexidade da posição que se encontram mães que se deparam com o desemparo após o parto.
Mais sobre o tema:
Recomendo o livro de Vera Iaconelli - Manifesto Antimaternalista: Psicanálise e Políticas da Reprodução, onde a autora faz uma importante construção histórica e politíca sobre como surgiu a maternidade vivenciada e propagada hoje na sociedade.
Baby Ruby (2022) dirigido por Bess Wohl, disponível no Netflix. Um filme de suspense, sobre uma recém-mãe blogueira, que após muita idealização desse momento esperado, se encontra com sintomas de uma psicose pós-parto e acredita está sendo perseguida. Tem delírios sobre seu bebê ser roubado, sobre a passagem do tempo, e sobre o que as pessoas ao seu redor estão fazendo. É uma obra delicada e bastante angustiante, mas tem um dos momentos que mais me tocaram no cinema ano passado; a sua sogra ao entender o que ela está passando, tenta falar de sua própria experiência com a depressão pós-parto, em um relato profundamente marcante, que raramente escutei fora do ambiente clínico. É de relatos como esse que precisamos para amparar esses sujeitos em sofrimento!
- Um feitiço, uma oração e saber o que desejamos é tudo a mesma coisa - digo. - Quando perdemos algo precioso e nos dirigimos à capela, nos ajoelhamos diante do pequeno altar de Santo Antônio e rezamos para que ele encontre aquilo de que necessitamos, o que estamos a fazer, senão a recordar a nós próprias que perdemos algo que desejamos recuperar? O que estamos a fazer, senão a mostrar a nós mesmas que o desejamos? E o que é isso, senão convocá-lo a voltar para nós? E, tantas vezes, quando rezo, acabo por me lembrar de onde o deixei e volto a encontrá-lo. Isso é uma resposta à oração ou é magia? Ou é simplesmente permitirmo-nos saber o que desejamos e procurá-lo? A oração é a mesma coisa que um feitiço, que é a mesma coisa que saber o que desejamos, o que faz essa coisa desejada voltar à nossa mente e, assim, às nossas mãos. Não é?
- Um feitiço trá-lo-ia de volta para junto de vós, não vos limitaríeis a encontrá-lo!
- Acredito que um desejo, uma oração e um feitiço são todos a mesma coisa - digo. - Quando rezais, sabeis que desejais alguma coisa; esse é sempre o primeiro passo. Permitir-vos saber que desejais alguma coisa, que ansiais por ela. Por vezes, isso é o mais difícil. Porque é necessário ter coragem para se saber o que se deseja. É preciso coragem para se admitir que se é infeliz sem ela. E, às vezes, é preciso arranjar coragem para saber que foi uma tontice ou um erro nosso que nos fez perdê-la; antes de lançar um feitiço para a fazer voltar, temos de ser nós próprias a mudar. Essa é uma das maiores transformações que pode ocorrer.
A Senhora dos Rios - Philippa Gregory
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