coisas que não me saem da cabeça
resenhas e apontamentos de alguns dos filmes, livros e séries desses últimos momentos.
Sou alguém que consome com frequência mídias diferentes: séries, livros, filmes, podcasts, álbuns, newsletters etc. São momentos não tão frequentes assim na minha rotina mas que busco fazer acontecer. A arte me renova, me faz questões e elaborações, e por vezes sinto a necessidade de falar sobre.
Uma das minhas propostas para esse espaço é dar um lugar para esses breves escritos que talvez façam sentido também para os outros.
Rezar e Obedecer (Keep Sweet: Pray and Obey) é um documentário de 2022 sobre uma ceita religiosa, que acreditam em um profeta próprio com poderes divinos de ditar as regras da comunidade. Sendo seu principal bordão o “keep sweet” ou “se mantenha doce”, um aviso para as mulheres e meninas da comunidade, que precisam seguir regras restritas para serem boas mulheres e mães, cuidarem do lar e obedecerem o marido. O foco é sempre homens brancos velhos casando com o máximo de mulheres o possível para garantir seu lugar no céu, não importando se estam casando e abusando de crianças, enquanto expulsam os jovens homens da comunidade (rivais). A série por si só é bastante chocante e revela ainda mais crimes inimagináveis, como o sequestro das crianças da comunidade para serem criadas ainda mais controladas pelo discurso; entre outros tantos crimes que levaram seu fundador a cadeia, mas não ao fim da ceita religiosa. Entre relatos das pessoas que sobreviveram para contar sua história, não pude deixar de escutar a semelhança com a crescente onda de contéudo estilo “tradwife” no Instagram e TikTok, com principais precursoras a Ballerina Farm e a Nara Smith, ambas criam constantemente contéudo que aludem a uma vida simples, de mãe e mulher perfeita, que é também linda e cuida de tudo o tempo todo, ao mesmo tempo que faz todas as comidas perfeitamente. A polêmica vem crescendo depois de uma entrevista onde a Ballerina faz revelações que chocam ("fica tão doente de exaustão que não consegue levantar da cama por uma semana") e as suspeitas sobre a glamouralização proposital do conteúdo.
Ainda Estou Aqui (2024) - Senti o peso dos anos que fugimos de retratar esse tema nas nossas mídias em geral, o que me fez pensar nos livros e filmes argentinos que abordam o tema e furam a bolha, como exemplo Mariana Enríquez e seu excelente Nossa Parte de Noite. Aceito indicações de livros e mais contéudos produzidos aqui no Brasil, mas por hora lerei os livros de Marcelo Rubens Paiva, que na minha época de escola não foi leitura obrigátoria. Talvez com esse filme tão delicado e real, que assusta terrivelmente e que deixa um grande vazio, possamos mergulhar mais no nosso passado que afinal não é tão distante assim. Acompanhar tão de perto uma família tão comum e feliz, que de uma hora para outra é completamente destroçada, sem respostas. Um furo para sempre em aberto. Fica ressoando em mim as palavras dos irmãos mais novos, agora adultos, conversando sobre quando eles finalmente entenderam que o pai jamais voltaria. Uma história sem fim.
As Irmãs Blue - Coco Mellors - uma leitura que se inicia para mim a partir de sua bela capa, não sei quanto tempo tem que não me permito ler algo assim tão espontaneamente. As irmãs retratadas vivenciam um luto em comum, buscam cada qual a seu jeito, entender e sobreviver a tragédia. Um ponto que me causou grandes questões foi a forma como se dá um dos relacionamentos principais, a irmã que é casada com sua terapeuta de muitos anos. Acho que a autora falha em não deixar explicito o como essa relação é estremamente abusiva, passa como algo quase aceito como normal, mas se revela em momentos que ela (a terapeuta) se faz do conhecimento adquirido como profissional para manipular sua esposa.
recomendações
no tema: escutar nordestinos é muito melhor
Episódio “Existe sexo sem jogo de poder?” da nova temporada de Meu Inconsciente Coletivo, de Tati Bernardi e com a convidada Renally Xavier de Melo psicanalista nordestina que cita o clássico Me Usa da Banda Magnifícos.
O podcast Só no Brasil, que traz a beleza da contação de causos nordestina para falar desse nosso traço marcante brasileiro de ser um povo imprevísivel e cheio de rebuliços. Episódio “Brasil Metal”
"Ocupação Maria Bethânia" [Itaú Cultural em São Paulo - acervo pessoal]
“A não ser as antigas escovas de martim lavrado, vindas das bisavó, sentia que nada resistiria à crítica de Germana, sua cunhada, quando dali a pouco chegasse para lhe dar as boas-vindas; que nada resistiria à prova de seu gosto artístico, infelizmente tão parecido com o de Roberto, e tão sujeito ao conhecimento prévio do preço, e ao arbítrio de dois ou três especialistas no assunto. Sentia que eram inadaptáveis ao novo meio, a ponto de parecerem vagamente grotescas, as coisas insigficantes a que se apegara no passado.”
A Sucessora - Carolina Nabuco